sábado, 9 de julho de 2011

A Grande Sorte

O azar lhe acompanhou desde o nascimento. Porciliano não deu sorte de nascer com a cara do vizinho e, mesmo com a ilibada reputação de sua mãe, foi posto para fora de casa pelo pai. Adotado por um casal de idosos, ficou órfão pela segunda vez ainda na infância. No tempo de escola, já apelidado de Uruca e pé-de-gelo, aconteciam coisas estranhas, como o sumiço de suas provas. Nesta época, a instituição em que estudou não ganhou uma única medalha nos Jogos Estudantis, mesmo sendo a que mais investia.
Se a sorte não lhe acompanhava, era competente no futebol e inteligente para o aprendizado. O adolescente Porciliano, ótimo goleiro, tentou ser jogador profissional, mas sem sorte nesta posição seria impossível. Havia sempre um chute para gol em que uma perna adversária ou de seu próprio time desviava a trajetória da bola e mandava-a para o outro canto da baliza. Quando isto não acontecia, o famoso montinho artilheiro tratava de mudar a direção da pelota. Muito bem preparado, tentou vestibular para medicina, mas ficou como primeiro na lista de espera. Como todos se matricularam, não conseguiu a vaga.
Assim era a vida de Porciliano. Até quando tentou mudar de nome, faltou-lhe sorte. O juiz não concedeu o pedido alegando que isto não lhe causaria qualquer prejuízo material e emocional. Aliás, deveria se sentir honrado em carregar a fusão dos nomes da mãe, Porcina, e do pai, Emiliano. A decisão foi irrefutável. Afinal de contas, o magistrado chamava-se Olindano, filho de Olinda e Herculano.
Porciliano também tinha bons amigos. Um deles, Valfrido, estava convencido de que poderia ajudá-lo a espantar a maré ruim. Para isso, teve a infeliz idéia de encher o azarado de figas, ferraduras com sete furos e trevos de quatro folhas. Não deu certo. Tentou ir mais fundo, procurando uma mandingueira famosa no bairro, mas as coisas só pioravam.
Poucas pessoas se aproximavam dele. Diziam que chegar perto de Porciliano atraia seu azar. Aliás, certa vez, um gato preto olhou para ele e, ao passar debaixo de uma escada, foi atingido pela mesma, que caíra. Morreu na hora, mesmo ainda não tendo perdido uma única vida anteriormente. Ficou sem as sete de uma só vez.
Valfrido seguia com sua missão de tornar Porciliano um sortudo ou, ao menos, alguém normal. Planejou uma tentativa convidando o amigo para assistir a partida entre o líder do campeonato, seu time de coração, e o último colocado, que não havia marcado um único gol, em vinte partidas, e conquistado sequer um ponto. Prudente, ainda gastou um bom dinheiro para que o juiz expulsasse dois defensores do adversário. Resultado: deu zebra. Dois a zero para a equipe lanterninha da competição, mesmo com dois atletas a menos.
Em uma outra vez, Porciliano foi convidado por Valfrido para ir ao jóquei, que sabia que naquela noite apenas um cavalo estava inscrito para correr o sétimo páreo. Até a sexta carreira, o amigo faturou uma boa grana. Pedia para o azarado apostar em dez cavalos em cada corrida e, sem que o colega soubesse, colocava seu dinheiro nas patas dos que sobravam. Ganhou um bom dinheiro. Mas, no momento esperado, lá estava o animal disparando sozinho pela reta final até que ... Caiu sozinho e não cruzou a linha de chegada. Quebrara a perna.
Sem esperanças, Valfrido resolveu dividir com o amigo uma aposta numa loteria milionária. Escolheram os números e ficaram esperando o resultado. Na verdade, não acreditavam que ganhariam, mas a sorte começou a sorrir para Porciliano. Eles ganharam um caminhão de dinheiro. Entretanto, a dupla cometeu um erro. O bilhete ficou guardado no bolso da calça de Porciliano, que, ao sair da lotérica, pegou uma chuva torrencial. O comprovante, simplesmente, se desfez.
Até mesmo um ditado popular Porciliano contrariou: azar no jogo, sorte no amor. Ele se casara com Jurema, que também fora adotada na infância. Ao contrário do azarado, contudo, ela tinha duas mães, pois a natural a procurá-la na adolescência. Resultado: o pobre do marido tinha duas sogras.
A vida de Porciliano continuou sendo uma sequência de azares, até que, acompanhado de Valfrido, sofreu um terrível acidente de carro. O amigo sobreviveu por milagre. E ele, depois de ouvir o estrondo da batida, viu uma forte luz branca e uma pacífica fila de pessoas vestidas de um azul bem claro, onde entrou. Todos estavam calados, e o azarado intrigado esperava ser atendido pelo homem de barba.
Ao chegar a sua vez, ouviu:
– Seja bem-vindo, seu Valfrido. Sou São Pedro e vim recepcioná-lo.
– Valfrido é o meu amigo. Sou Porciliano.
– Porciliano? Caramba, que azar, trouxemos a pessoa errada. Desculpe-nos.
O azarado perguntou:
– Onde estou?
– Você morreu. Está no céu.
– Urruuuuuuuuuuuuu!!!!!!!!!!!!!!!!!
Porciliano saiu comemorando entre as nuvens e voltou para dar um beijo em São Pedro, que afirmou:
– Nunca vi alguém ficar tão feliz por morrer por engano.
– É que do jeito que vivi sem sorte. Estava arriscado eu ser mandado por equívoco para o inferno.