segunda-feira, 30 de maio de 2011

Um "vulcão" na esquina

A fumaça tomou conta do bairro. Na rua, carros colidiam, carroças caiam nos buracos e os vizinhos não conseguiam evitar os encontrões. Logo surgiram os primeiros boatos. Seria um incêndio? Uma nuvem baixa? Uma explosão na fábrica clandestina de talco? Um superfumacê? As especulações eram muitas. Até que seu Afrânio deu a explicação mais aceita pela comunidade, embora com alguma resistência inicial.
– Foi o vulcão.
– Que vulcão, seu Afrânio? Por aqui não há vulcões ativos –, argumentou dona Margarida, a moradora mais antiga da rua.
– Não é daqui, dona Margarida. Fica na Islândia. Está cobrindo o mundo todo de fumaça. Os aviões sequer podem decolar –, explicou Seu Afrânio.
Bartolomeu, o sabichão da localidade, meteu-se no assunto:
– Fica lá nas “Oropa”. Li num jornal que a fumaça pode chegar à lua. Os ETs estão desviando as rotas dos discos voadores para não passar perto da Terra.
– Então, a coisa é muito séria. Daqui a pouco começará a cair cinzas sobre nós. É a confirmação de que voltaremos ao pó –, constatou Baltazar, o pessimista do bairro.
– Vocês não estão enxergando? Para mim, não faz a menor diferença –, tripudiou Nezinho, o ceguinho da porta da igreja.
Enquanto o nervosismo se instalara, logo apareceram os aproveitadores de plantão. Januário, o camelô da esquina, tentava vender ventiladores portáteis à pilha pelo quádruplo do preço:
– Espalha toda fumaça em segundos. É o alívio para o seu pulmão –, gritava o ambulante:
Já Tenório, o velhinho saliente e bom de papo, tentava convencer Cidinha, a morena mais desejada do quarteirão.
– É menina, acho melhor a gente aproveitar o tempo que nos resta. Daqui a poucos minutos estaremos todos sufocados. Vamos curtir o pouco que nos resta da vida?
– Safado! – Catapouuuuuu!!!
Cidinha não perdeu o rebolado e acertou um direto no olho esquerdo de Tenório, que tentava em vão ver no espelho a gravidade da situação.
No meio da algazarra, do tumulto generalizado, surge como um raio o pequeno Joãozinho:
– Achei!
– Achou o que? Onde você estava, menino? – perguntou sua mãe.
– Achei vocês. No meio desta fumaça, não estava conseguindo voltar para casa.
– Mas de onde você veio? – quis saber a mãe.
– Lá da esquina. Olha como está gostoso? – O menino ofereceu um espetinho de carne para a mãe.
– Onde você arrumou isso, menino?
– Ué, na barraquinha do seu Toninho, o mais novo churrasquinho de gato do bairro. Afinal de contas, de onde a senhora acha que está vindo esta fumaça toda?

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O valentão da terceira idade

– Clotilde!
– Que foi, Garcia?
– Cadê a graxa de sapatos?
– Ahn!!! Deixe-me em paz. Eu e as crianças estamos vendo a polícia preparar a invasão do Complexo do Polonês. A televisão está registrando tudo. É o Tropa de Elite 3. E ao vivo!
A garotada completou:
– Vem vô, está o maior barato. Tem tanque de guerra, helicóptero, submarino e o escambau.
– Mas eu preciso da graxa.
– Para que? Qual o milagre que o fará engraxar os sapatos? Nunca fez nada para ninguém. Depois que a PM o reformou então! Não sai do sofá –, dedura Clotilde.
– Vou dar a minha contribuição. Vou me apresentar como voluntário nesta guerra contra o tráfico. Preciso engraxar meu coturno.
Diante da TV, Clotilde não se conteve, tendo uma crise de riso.
– Caraca, virou valentão? Você sempre foi um frouxo. Até para pedir minha mão em casamento tremia igual vara verde. Aliás, nunca conseguiu prender um bandido sequer. Agora, já com o pé na cova e 30 kg a mais, resolveu dar uma de valente?
– A sociedade precisa de mim. Quanto aos bandidos, eles tinham medo de mim e fugiam quando sabiam que eu estava na área.
– Lembra daquele cara que você perseguiu a vida toda e nunca conseguiu pegar?
– Ele sempre esteve armado até os dentes – retrucou Garcia.
– Armado até os dentes? Ele só tinha um florete, sofria de Mal de Parkinson e sequer tinha carro, fugia a cavalo.
– Disse bem, fugia.
– Sim, mas antes sempre conseguia pichar a letra Z na parede.
– E era só. Chamava-se Zarolha. Nunca conseguiu escrever o restante porque eu estava atento e chegava na hora.
– Devia ser analfabeto –, afirmou Clotilde.
Enquanto exaltava sua atuação, Garcia encontrou a graxa e começou a se preparar para a guerra. A farda saiu do armário, pôs a garrucha no coldre e adentrou triunfante à sala da casa.
Juquinha, o neto mais novo, não perdeu tempo:
– Maneiro, vô. Tenho um boneco que usa uma arma dessa.
Joãozinho, o mais velho, lembrou:
– Vi uma desta no museu.
Clotilde, incrédula, comparou:
– Os caras com fuzil, metralhadora, bazuca, granada e o caramba a quatro e você de garrucha. Acho que vou colocar meu vestido preto. E não se esqueça de, antes de ir para a guerra, passar no banco e fazer um seguro de vida em meu nome. Ficarei viúva.
– Vai agourar outro. Você ainda vai se orgulhar de mim. Vou lá no Polonês e trazer o UE pela orelha.
– É WE, Garcia. O nome do bandidão é Wellington Eduardo, WE e não UE.
– Este mesmo, Clotilde. Crianças, fiquem de olho na tela. Seu avô vai virar herói.
Pá, pá, pá, pá, tá, tá, tá, tá ...
– Meu Deus, é a terceira guerra mundial –, e Garcia sumiu em menos de um segundo.
As crianças perguntaram:
– Cadê o vovô?
Clotilde entregou:
– Vai chamar o avô de vocês lá no quarto, debaixo da cama. E diga ao herói que este barulho foi apenas a pipoca que coloquei no micro-ondas.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O especialista em bombas

Estava formado o sururu no Condomínio Parque das Galináceas. Seu Juvenal, o síndico, saiu do prédio alertando todos os moradores.
– Tem uma bomba no prédio. Saiam todos.
Não demorou para os moradores estarem aglomerados na frente do edifício. E havia mesmo uma bomba. Lurdinha aproveitara o sono do marido e amarrara o artefato bélico ao seu corpo e na cama. Mundico não podia se mexer. O alvoroço foi geral.
Dona Juju e dona Chica, as fofoqueiras do condomínio, logo arrumaram a explicação.
– Foi vingança. Ele andava arrastando asinhas para a nova faxineira –, afirmou a primeira.
– Ele não podia ver um rabo-de-saia –, concordou a amiga.
Mas era preciso ajudar Mundico. Seu Juvenal tentava afastar os curiosos da entrada do edifício, mas sem sucesso. Lembrou dos seguranças:
– Cadê aquela dupla de inúteis?
Fifi, a bicha do apartamento 502, lembrou-se:
– Caramba! Vou acordar o Paulão. Ele está dormindo na minha cama.
Dona Zefinha, a recatada viúva do 307, pediu, com um sorriso bem maroto:
– Faz um favorzinho, Fifi? Passa lá no meu apartamento e chama o Montanha?
Não demorou para Paulão e Montanha estarem na calçada organizado o tumulto. Até que, no meio da confusão, a mente mais lúcida do condomínio fez um importante alerta. Geléia, o maluquinho do 303, lembrou de Mundico e da bomba.
– Acho que a bomba vai explodir –, sentenciou.
– Liga para a polícia, bofe –, disse Fifi para Seu Juvenal.
O síndico obedeceu a ordem, fazendo a ligação.
– Precisamos de socorro. Um morador do prédio está com uma bomba amarrada ao corpo. Se vocês demorarem, vai explodir tudo aqui.
Do outro lado da linha, o policial perguntou:
– Como é a bomba? É uma bomba-relógio?
– É uma destas mesmo –, disse Seu Juvenal.
– Ih, então liga amanhã. O especialista em bomba-relógio está de folga hoje.
– Mas a bomba não vai esperar. O que fazemos?
– Chama um padre –, sugeriu o agente da lei.
– Padre? O que ele pode fazer? – perguntou Seu Juvenal.
– Rezar. A situação exige muita reza.
Seu Juvenal chegou a pensar em aceitar a sugestão, mas lembrou que Mundico gostava mesmo era de uma curimba e desistiu da idéia. Novamente, sem saberem o que fazer, os moradores perguntavam-se:
– O que vamos fazer? Onde podemos encontrar um especialista em bombas?
Foi neste instante que Severino, um curioso que, sem entender o que estava acontecendo, observava o tumulto limitado pelo cordão de isolamento feito por Paulão e Montanha, apresentou-se:
– Falou comigo? Sou Severino Silva, especialista em bombas.
Muitos o olharam com descrédito, mas, como não havia outra alternativa, deram-lhe uma caixa de ferramentas e o empurraram para o interior do prédio.
Severino encontrou Mundico desmaiado. Olhou a situação e pensou:
– Que bomba estranha! Deve ser bastante moderna. Tem um monte de fios e até um relógio. E olha o ajudante que me arrumaram. O cara dormiu.
O especialista não perdeu tempo, cortou dois fios e concluiu o trabalho.
Ao sair do prédio, veio logo a pergunta:
– Desligou?
A resposta foi imediata:
– Está feito. O relógio parou.
Diante da resposta, a multidão aplaudiu efusivamente o grande especialista em bombas. E não tardou para Mundico aparecer na portaria do prédio. Vendo-se livre do artefato, perguntou:
– Foi o senhor que desligou a bomba?
Severino, cheio de orgulho, respondeu:
– Eu mesmo.
– Mas como o senhor desligou o artefato sem ele explodir?
– Explodir? – foi a vez de Severino perguntar.
– Claro, bombas explodem –, respondeu Mundico.
– Mas ninguém me avisou que era uma bomba que explode. Eu sou um especialista em bombas hidráulicas.
Mundico desmaiou novamente.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Discos voadores na cidade grande

O seminário corria naturalmente para o grand finale. Ufólogos do mundo todo esperavam a palestra do Dr. Etevaldo Marciano, considerado o maior especialista do universo e autor de respeitadas teorias sobre a presença de extraterrestres na Terra. Ele prometera aprofundar a tese sobre nossos “vizinhos” circulando como humanos, trazendo novos dados e informações.
Chegado o momento da palestra do grande especialista, a platéia estava alvoroçada. Muitos presentes acreditavam que sentados naquele auditório havia ETs espiões. Dr. Etevaldo subiu ao palco junto ao seu fiel escudeiro Amado Discão, seguindo-se aplausos entusiasmados.
Depois da euforia inicial, Etevaldo iniciou suas observações mostrando gráficos, imagens e indícios que comprovam suas teorias. Entretanto, o alvoroço aumentou quando ele afirmou que, além de presentes no meio dos humanos, os ETs continuavam a se locomover por disco voador. O ufólogo disse acreditar que nossos “vizinhos” aproveitavam o excesso de luz da cidade grande para, disfarçadamente, moverem-se de um lado para o outro.
A polêmica tese logo recebeu adesões, mas também algumas críticas. Para pôr fim a qualquer discussão, o Dr. Etevaldo Marciano foi enfático e fez uma promessa:
– No nosso próximo seminário, trarei a comprovação da minha tese. Podem anotar.
O desafio estava lançado, e Dr. Etevaldo começou uma intensa busca por imagens que comprovassem sua tese. Junto com Amado Discão, montou uma base de observação na cobertura do prédio onde morava, no coração de uma grande e maravilhosa cidade. E de lá não precisou de muitos dias para conseguir uma raridade ufológica.
Após uma explosão, Dr. Etevaldo gritou:
– Caramba!
– O que foi, mestre? – emendou Amado Discão.
– Está no centro da imagem. É um OVNI, um objeto voador não identificado.
– Mas e a explosão?
– Provavelmente, rompeu a barreira do som.
Dr. Etevaldo ficou admirando o que via por trás da lente de potente câmera filmadora.
– Está se aproximando, Amado. Parece vir em nossa direção. Está bem próximo, cada vez mais próximo, cada vez mais próximo ...
Catapum!!!!!!!!!!!!!!!!
Foi atingido em cheio.
Bip, bip, bip, bip, bip ...
Seis meses depois, Dr. Etevaldo ainda encontrava-se em coma na UTI de um grande hospital. Amado Discão não saia do lado do amigo e mestre. Foi quando o aparelho registrou um aumento do batimento cardíaco do ufólogo e toda a equipe médica correu para junto do doente.
Aos poucos, Dr. Etevaldo foi abrindo os olhos. As fortes luzes não deixavam que ele pudesse enxergar com precisão. Exclamou:
– Fui abduzido!
E notando a presença de Amado, continuou:
– Você também, amigo? Como eles nos trouxeram até aqui? Estamos em que planeta?
Olhando o amigo, Amado Discão pegou o chefe da equipe médica pelo braço e o levou para um canto da unidade.
– O que fazemos agora, doutor? Vamos deixar que ele continue pensando que foi atacado por um OVNI ou contamos a verdade?
O médico foi prudente:
– Vamos esperar um pouco. Seria demais para ele saber que foi atingido por um tampão de uma galeria da empresa de energia elétrica da cidade.