terça-feira, 28 de junho de 2011

Uma Mulher Quase Perfeita

Paulão era o cara. Pegava geral. Não havia uma mulher desejada no bairro que o Dom Juan Suburbano não houvesse levado para a cama. Sua fama espalhou-se pela região e facilitou suas investidas. As meninas sonhavam serem cobiçadas por ele, que, corria a boca miúda, nunca falhava. Já os homens viviam em sua cola para ver se sobrava alguma amiga do alvo da noite. Ele sempre dava o tiro certo.
Naquela sexta não era diferente. O barzinho mais bem frequentado do bairro estava lotado de mulheres bonitas e de homens em busca de uma companhia feminina. Paulão chegou mirando cada mulher no point. A maioria já havia estado com ele. O Dom Juan Suburbano buscava algo novo para aquela noite.
De repente, eis que surge, chamando a atenção de todos, a estonteante Claudinha. Ela estava de volta ao bairro depois de 15 anos morando em outro estado. Saíra da vizinhança com 12 aninhos e ninguém poderia imaginar que se transformaria num autêntico avião. Era o patinho feio entre as meninas na infância. Hoje, contudo, despertava fortemente o desejo masculino. Estava com 1,75m, usava cabelos loiríssimos e possuía um corpo de dar inveja às outras mulheres, com cinturinha fina, seios e bundas na medida certa.
Junto a Claudinha, um verdadeiro séquito de mulheres, todas com a intenção de conseguir um namorado com a amizade da nova rainha do pedaço. Com Paulão e sua trupe, não era diferente. O Dom Juan Suburbano logo mirou na musa, que retribuiu com um sorriso maldoso e muito mal (ou bem?) intencionado. Não levou muito tempo para estarem relembrando os tempos de infância. Apenas um pretexto para um papo mais adulto, cheio de elogios, galanteador e que os levou para um lugar mais reservado e depois rumo ao motel.
Os beijos ardentes só cessaram ao entrarem na mais espetacular suíte do estabelecimento. Afinal de contas, pensou Paulão, Claudinha fazia jus àquele esforço financeiro maior.
Se afastando dele, a musa falou:
– Tenho muitas surpresas para você –, e dirigiu-se para o banheiro.
Despindo-se, Paulão foi para a cama king size. Nervoso, espera a entrada triunfal da musa, revelando suas cobiçadas curvas.
A porta abre-se lentamente e ...:
– Quem é você? – grita Paulão.
– Como assim, tesão? Está com amnésia ou a cama lhe tirou o desejo –, respondeu Claudinha.
– Mas você não é loira?
– Se preferir, coloco a peruca de novo.
– Tudo bem, mas e sua cinturinha fina. Onde foi parar?
– Toda mulher precisa da ajudinha de uma cinta, né?
Sem graça, Paulão concorda:
– É verdade, mas aqueles seios volumosos e aquela bunda redondinha?
– Já ouviu falar em sutiãs e calcinhas com enchimento? - retrucou a ex-musa do Dom Juan Suburbano.
– E aquele sorriso lindo, branquinho?
– Também posso recolocá-lo. Está ali no copo em cima da pia.
O quadro era pavoroso para os sonhos libidinosos de Paulão, mas ele resolveu tentar. Mas ficou só na tentativa. Pela primeira vez na vida, o garanhão falhou.
No dia seguinte, Paulão foi para mais uma balada como se nada acontecera, mas ele não esperava o que estaria por vir. Homens e mulheres evitaram falar com o todo poderoso da conquista. E mais, nos grupinhos, percebeu comentários e risinhos. Achou aquilo tudo muito estranho, olhou para Claudinha, que já era alvo de todos os olhares e da cobiça masculina, e dirigiu-se ao balcão do bar, pedindo uma cerveja.
Marcos, este sim um amigo, aproximou-se e consolou-o:
– Não se desespere, amigo. Acontece com qualquer um. Nada que uma outra noite não resolva.
– Desesperar? Não há motivo. Só não estou entendendo porque todos estão afastados.
– Todo mundo já sabe. Mas fique tranqüilo. Somos humanos. Falhamos mesmo.
Paulão olhou para o amigo e perguntou:
– Você conseguiria? A cena foi tenebrosa, nunca sai com uma baranga tão grande, nem bêbado.
Marcos sorriu para o amigo e aconselhou:
– Sei da sua revolta, mas não ajuda nada negar o óbvio. Diante de mulheres maravilhosas, ficamos tão ansiosos que podemos falhar.
– Marcos, você não entendeu. Aquela estampa toda é só fachada. Ela não é loira, usa peruca, está apertada numa cinta, veste sutiã e calcinha com enchimento e não tem um dente na boca.
– É melhor parar, Paulão. Quem acreditaria nesta sua história? Nem eu que sou seu melhor amigo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Domingo de marchas

Juju e Pedrão curtiam o luar do sábado e planejavam o próximo programa.
– Que tal passearmos amanhã na praia, amor? – sugeriu a sempre comportada mulher.
Pedrão tentou se esquivar da sugestão.
– Estamos no inverno. Está frio.
– Mas todo mundo está dizendo que as manhãs na orla são quentíssimas. Todo domingo tem uma passeata divertida, uma marcha, como dizem agora. Esta semana foi uma dos machões. Reivindicaram poder cuspir no chão, arrotar em público e colar meleca debaixo das mesas sem qualquer censura.
– Já vi algumas dessas pelo jornal –, comentou Pedrão.
– Então, vamos ver como é ao vivo. Será divertido.
De tanto insistir, Juju convenceu o novo namorado. E, no dia seguinte, ela e Pedrão desciam do ônibus bem próximo ao calçadão, logo avistando vários grupos que iam em direções diferentes.
Já na orla, Juju viu um grupo que vinha em sentido contrário em altíssima velocidade e comentou com seu amado:
– Olha aqueles rapazes. São todos negros, devem estar protestando contra o racismo. Mas poderiam ir mais devagar, assim ninguém consegue acompanhá-los.
Pedrão explicou:
– Eles não estão fazendo passeata. São competidores de uma maratona.
– Mas só este grupinho se inscreveu? – perguntou Juju.
– Não. Estes são os quenianos. Daqui a meia-hora os outros vão passar.
Juju olhou em outra direção.
– Mas aqueles ali estão devagar, devem estar lutando por algo. Acho que são os papais noéis da cidade, estão todos de vermelho. Devem estar lutando para poder usar roupas mais leves.
– Juju, aqueles são os bombeiros. Ganham uma mixaria.
– Legal, eu apóio. Vamos segui-los.
O casal seguiu os bombeiros e seus simpatizantes, bradando gritos de guerra, balançando bandeiras ... se divertindo com os muitos personagens que acompanhava o protesto.
De repente, em sentido contrário, os bombeiros cruzam com uma outra marcha. Encantada com o astral despojado do outro grupo, Juju convence Pedrão a ir com eles. Havia muitas figuras, como um sósia do Bob Marley. Uma densa fumaça que acompanhava a passeata, contudo, impedia que muitos destes personagens fossem vistos. Aliás, o grupo queria justamente sair de onde se escondia.
Os manifestantes daquela passeata, literalmente, eram o maior barato, tinham um ótimo astral, mas Juju queria participar de outras marchas. O menu estava recheado. Havia protesto para tudo, até um grupo que preferiu ficar na pracinha próxima jogando dominó. Eram os aposentados lutando pelo direito de permanecer na esquina, de pijama, batendo papo, sem serem importunados pelos filhos. Aliás, apenas um participante, o único novinho, prosseguiu na manifestação. Como mentor e tesoureiro da turma, precisava justificar o altíssimo gasto com a iniciativa, embora só trouxesse nas mãos um cartaz feito com cabo de vassoura e cartolina.
No vai-e-vem de manifestantes, Juju encontrou Jefinho, seu ex-namorado.
– Você por aqui? Veio curtir o domingo? – perguntou Juju.
– Na verdade, vim lutar por meus direitos. Qual a sua causa? – disse Jefinho.
– Eu e o Pedrão viemos apenas nos divertir. Todo mundo comentava que a manhã de domingo aqui era bastante animada.
– O Pedrão vir aqui para se divertir? Eu marquei de me encontrar com ele.
– Você conhece o Pedrão? – indagou Juju.
– Claro. Aliás – pegando Pedrão pelo braço –, vamos, amor. A marcha pela legalização do casamento gay está começando.
E os dois saíram de mãos dadas pelo calçadão.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sigilo profissional

Esmeralda estava a cada dia mais ressabiada. Havia três anos que Armando, seu marido, fora demitido da empresa que passara 20 anos de sua vida profissional. Tentou por mais dois uma recolocação no mercado de trabalho, mas não obteve sucesso. Nos últimos 12 meses, contudo, voltou a trabalhar e conseguiu aumentar significativamente seu patrimônio. Comprou um carro 0 Km, reformou a casa e mudou toda a mobília. Agora, andava falando em passar uma temporada na Europa.
Todo o progresso profissional de Armando afligia Esmeralda. Ele nunca falara sobre seu novo emprego. Só repetia sempre que o sigilo era fundamental, até mesmo na família, e pedia a esposa um voto de confiança. Como ela acreditava no marido, que nunca a decepcionara, concordava.
Nas últimas semanas, contudo, Esmeralda estava inquieta com a situação, precisava desvendar aquele mistério, mas não queria magoar o marido. Chegou a pensar que pudera ser algo ilegal. Entretanto, descartou a possibilidade ante a sempre correta conduta de Armando. Sua consciência vagava por milhares de possibilidades e seu coração apertava-se a cada dia mais.
Precisava resolver a situação. Tirar a dúvida. Decidiu investigar com cuidado para saber o que Armando fazia. Não iria falar nada com ele. Queria apenas aquietar seu coração. Para desvendar o mistério, foi a uma boa livraria e comprou alguns bons livros de investigação. Era preciso preparar-se para não dar nenhuma mancada e ser descoberta.
Naquela manhã, Armando saiu de casa rumo ao misterioso trabalho sem saber o que Esmeralda planejava. Ela foi junto, alegando que iria no supermercado da esquina. Um beijo no portão e a esposa apressou-se para pegar o carro alugado que havia deixado na esquina. O marido não percebeu. Pôs a peruca loira e começou a discreta perseguição.
No centro da cidade, o marido diminuiu a velocidade, ligou a seta e entrou, para desespero da esposa, num motel de quinta categoria. As lágrimas correram do rosto de Esmeralda. Não poderia ser verdade. Queria saber qual era o emprego do amado e estava prestes a descobrir uma traição. Mas uma interrogação logo pairou sobre sua cabeça: quem era a amante?
Estacionou o carro, sentou-se em um banco na praça em frente e passou a observar, procurando qual mulher entraria sozinha no motel. Mas nas primeiras duas horas, apenas um casal ousou freqüentar a verdadeira espelunca, que, aliás, abrigara o mendigo que deixou o recinto minutos depois de Esmeralda começar sua observação.
Muitas horas se passaram e apenas mais dois casaizinhos entraram no motel. Armando também não saiu de lá e, numa conclusão precipitada, a esposa exclamou:
– Ele é empregado ou o dono do lugar.
Mas logo caiu na real:
– Não é. Com uma freqüência tão baixa, não teríamos nem a metade do luxo que desfrutamos hoje.
Não havia mais tempo. Esmeralda não poderia correr o risco de chegar em casa depois de Armando e resolveu, frustrada, voltar. Ao se levantar do banco, o mendigo que saíra do motel pela manhã lhe abordou. Ao levantar os olhos, parou no semblante do miserável. Quase não conseguiu dar-lhes algumas moedas, tal a paixão fulminante que tomou conta da dublê de detetive.
Com o olhar correspondido, Esmeralda foi caminhando para o carro vendo o mendigo lhe observar. O que estaria acontecendo com ela? Seria a frustração de ser traída? Ela também não sabia e, na volta para casa, experimentou uma mistura de raiva pelo que supunha descobrir e de arrebatamento por uma paixão estranha. Não conseguiu parar de pensar no olhar daquele pedinte, sobretudo porque fora correspondida. Havia ainda a sensação estranha de conhecer aqueles olhos.
Ao chegar em casa, Esmeralda foi logo para o banho. Era como se limpasse do pecado de cobiçar um homem que não conhecia e que sequer tinha condições higiênicas para tocá-la. No chuveiro, ouviu a chegada de Armando em casa e se preparou para encontrá-lo, sem saber o que faria.
Sem falar nada, Armando entrou no banheiro para uma demorada chuveirada. Ao voltar, encontrou Esmeralda sentada na cama e chorando. Ficou calado, vestiu a roupa e comentou:
– Não deveria ter acontecido assim, até porque eu estava pensando em lhe falar.
Esmeralda se surpreendeu. Achava que ele não a tinha visto. Perguntou?
– Quem é ela?
Armando não entendeu:
– Ela quem?
– Você entrou sozinho naquele motelzinho de quinta categoria, mas não a vi entrar.
– Não é o que você está pensando.
– Todo homem diz isto.
– Você não me reconheceu?
Diante da pergunta, Esmeralda entendeu a paixão pelo olhar do mendigo e a sensação de conhecer aqueles olhos. Num instante, sorriu:
– Era você. O mendigo era você.
– Sim. Este é meu novo emprego. Mendigo profissional. Nesta atividade, o segredo é imprescindível, até dos mais próximos. Mas não agüentava esconder esta situação de você por mais tempo. Até porque quero expandir meus negócios e acho que você pode ser uma ótima profissional. Ficou muito bem disfarçada.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Direito humano

A polícia encontrou o número 1 do tráfico de drogas na cidade. A casa de Trabucão estava cercada. Lá dentro, o bandido curtia suas mordomias sem nada saber, até que a lei entrou no aparente casebre.
– Perdeu, Trabucão! – Gritou Dr. Xavier, delegado conhecido por grandes prisões.
Sem nada entender, o bandido foi pego literalmente com as calças na mão. Ainda tentando colocar a bermuda, Trabucão pergunta ao chefe de sua segurança pessoal o que estava acontecendo.
– O que é isso Portuga?
O subalterno, levado pela orelha pelo inspetor Saraiva, responde:
– Os “homi” cercaram o morro há dois dias. Vieram com helicóptero, armamento pesadíssimo e até tanque de guerra. Não conseguimos evitar. Só não avisamos porque o senhor falou que não queria ser incomodado neste fim de semana.
– Vasculhem a casa! – Ordenou Dr. Xavier a sua equipe.
Logo, um grupo trouxe Fifi. Enrolada num lençol e com os longos e loiros cabelos molhados, a acompanhante de Trabucão chamou todas as atenções da polícia. Era linda. Tinha uma pele de seda, os olhos azuis, uma boca carnuda e um corpo que, mesmo coberto, revelavam seios siliconados e uma bunda avantajada.
Fifi despertou tanto a atenção que por muito pouco Trabucão e Portuga não deram no pé. O azar da dupla é que o inspetor Rosinha não se interessava pelos dotes da loira. O policial estava intrigado querendo saber se o Trabucão era de cano curto ou longo.
– Os bofes vão aonde? – Rosinha interrompeu a fuga da dupla.
Neste instante, chegam as equipes de televisão, e Trabucão logo reage, tentando esconder o rosto, nunca revelado antes:
– Tirem esses caras daqui.
– Tá querendo preservar a identidade, mané? – Vociferou inspetor Saraiva, pegando o bandido pelo queixo e mostrando em rede nacional.
– Pô, larga aí, tô querendo preservar minha integridade. Isto sim.
– Fica na tua. É melhor assim. O mundo todo tá vendo que pegamos você sem esculhachar.
Algemados, Trabucão e Portuga foram colocados na caçamba. Fifi, após vestir sua microssaia e seu top e pôr seu tamanco salto 18, sentou-se ao lado do Dr. Xavier, no banco de trás da viatura. Saraiva acelerou a viatura rumo à delegacia policial.
Do outro lado da cidade, Idalina, com lenço na cabeça e vassoura em punho, ainda estava atônita com o que vira na TV enquanto varria seu humilde cafôfo. Reagiu:
– Cachorro, salafrário, desgraçado ... – Vociferou, saindo de casa apressadamente.
Na sala do delegado, Trabucão, até então, encarando de frente cada agente da lei, amarelou ao ver a cena. Idalina foi derrubando cada policial até estourar o vidro divisor da sala do mandatário da delegacia. O bandidão ajoelhou-se e chorou:
– Perdão, Dadá!
Dr. Xavier perguntou:
– Saraiva, quem deixou esta senhora entrar aqui?
– Doutor, nem a Força Nacional conseguiu detê-la. – Respondeu o inspetor.
– Perdão, canalha! – Idalina estava furiosa e partiu para cima de Trabucão.
Ninguém foi capaz de parar a dona-de-casa.
Na apresentação do chefão do tráfico para a sociedade, todos ficaram surpresos. A polícia apresentou Trabucão com os dois braços quebrados, sentado numa cadeira de rodas, os olhos roxos e com 97 pontos só no rosto.
A imprensa logo perguntou:
– Foi esse cara mesmo que vocês prenderam. Ele é mesmo o Trabucão?
Sem graça, Dr. Xavier respondeu:
– É ele mesmo. Tivemos um contratempo. Está diferente, né?
Uma repórter exaltada:
– E os direitos humanos. Ele foi preso inteiro e está todo quebrado.
Dona Idalina, ou Dadá, entrou na história:
– Direitos humanos? E os meus direitos humanos? Aliás, você tem razão foi um direito humano. Este aqui.
Exibindo o braço, Dadá continuou:
– Um autêntico direito humano.