terça-feira, 14 de junho de 2011

Sigilo profissional

Esmeralda estava a cada dia mais ressabiada. Havia três anos que Armando, seu marido, fora demitido da empresa que passara 20 anos de sua vida profissional. Tentou por mais dois uma recolocação no mercado de trabalho, mas não obteve sucesso. Nos últimos 12 meses, contudo, voltou a trabalhar e conseguiu aumentar significativamente seu patrimônio. Comprou um carro 0 Km, reformou a casa e mudou toda a mobília. Agora, andava falando em passar uma temporada na Europa.
Todo o progresso profissional de Armando afligia Esmeralda. Ele nunca falara sobre seu novo emprego. Só repetia sempre que o sigilo era fundamental, até mesmo na família, e pedia a esposa um voto de confiança. Como ela acreditava no marido, que nunca a decepcionara, concordava.
Nas últimas semanas, contudo, Esmeralda estava inquieta com a situação, precisava desvendar aquele mistério, mas não queria magoar o marido. Chegou a pensar que pudera ser algo ilegal. Entretanto, descartou a possibilidade ante a sempre correta conduta de Armando. Sua consciência vagava por milhares de possibilidades e seu coração apertava-se a cada dia mais.
Precisava resolver a situação. Tirar a dúvida. Decidiu investigar com cuidado para saber o que Armando fazia. Não iria falar nada com ele. Queria apenas aquietar seu coração. Para desvendar o mistério, foi a uma boa livraria e comprou alguns bons livros de investigação. Era preciso preparar-se para não dar nenhuma mancada e ser descoberta.
Naquela manhã, Armando saiu de casa rumo ao misterioso trabalho sem saber o que Esmeralda planejava. Ela foi junto, alegando que iria no supermercado da esquina. Um beijo no portão e a esposa apressou-se para pegar o carro alugado que havia deixado na esquina. O marido não percebeu. Pôs a peruca loira e começou a discreta perseguição.
No centro da cidade, o marido diminuiu a velocidade, ligou a seta e entrou, para desespero da esposa, num motel de quinta categoria. As lágrimas correram do rosto de Esmeralda. Não poderia ser verdade. Queria saber qual era o emprego do amado e estava prestes a descobrir uma traição. Mas uma interrogação logo pairou sobre sua cabeça: quem era a amante?
Estacionou o carro, sentou-se em um banco na praça em frente e passou a observar, procurando qual mulher entraria sozinha no motel. Mas nas primeiras duas horas, apenas um casal ousou freqüentar a verdadeira espelunca, que, aliás, abrigara o mendigo que deixou o recinto minutos depois de Esmeralda começar sua observação.
Muitas horas se passaram e apenas mais dois casaizinhos entraram no motel. Armando também não saiu de lá e, numa conclusão precipitada, a esposa exclamou:
– Ele é empregado ou o dono do lugar.
Mas logo caiu na real:
– Não é. Com uma freqüência tão baixa, não teríamos nem a metade do luxo que desfrutamos hoje.
Não havia mais tempo. Esmeralda não poderia correr o risco de chegar em casa depois de Armando e resolveu, frustrada, voltar. Ao se levantar do banco, o mendigo que saíra do motel pela manhã lhe abordou. Ao levantar os olhos, parou no semblante do miserável. Quase não conseguiu dar-lhes algumas moedas, tal a paixão fulminante que tomou conta da dublê de detetive.
Com o olhar correspondido, Esmeralda foi caminhando para o carro vendo o mendigo lhe observar. O que estaria acontecendo com ela? Seria a frustração de ser traída? Ela também não sabia e, na volta para casa, experimentou uma mistura de raiva pelo que supunha descobrir e de arrebatamento por uma paixão estranha. Não conseguiu parar de pensar no olhar daquele pedinte, sobretudo porque fora correspondida. Havia ainda a sensação estranha de conhecer aqueles olhos.
Ao chegar em casa, Esmeralda foi logo para o banho. Era como se limpasse do pecado de cobiçar um homem que não conhecia e que sequer tinha condições higiênicas para tocá-la. No chuveiro, ouviu a chegada de Armando em casa e se preparou para encontrá-lo, sem saber o que faria.
Sem falar nada, Armando entrou no banheiro para uma demorada chuveirada. Ao voltar, encontrou Esmeralda sentada na cama e chorando. Ficou calado, vestiu a roupa e comentou:
– Não deveria ter acontecido assim, até porque eu estava pensando em lhe falar.
Esmeralda se surpreendeu. Achava que ele não a tinha visto. Perguntou?
– Quem é ela?
Armando não entendeu:
– Ela quem?
– Você entrou sozinho naquele motelzinho de quinta categoria, mas não a vi entrar.
– Não é o que você está pensando.
– Todo homem diz isto.
– Você não me reconheceu?
Diante da pergunta, Esmeralda entendeu a paixão pelo olhar do mendigo e a sensação de conhecer aqueles olhos. Num instante, sorriu:
– Era você. O mendigo era você.
– Sim. Este é meu novo emprego. Mendigo profissional. Nesta atividade, o segredo é imprescindível, até dos mais próximos. Mas não agüentava esconder esta situação de você por mais tempo. Até porque quero expandir meus negócios e acho que você pode ser uma ótima profissional. Ficou muito bem disfarçada.

Um comentário:

  1. tem um selo pra vc no meu blog

    http://insonauta.blogspot.com/

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